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A Lei da Liberdade Econômica e a Sociedade Empresária Limitada Unipessoal

Dentre as inúmeras inovações trazidas para o ordenamento jurídico brasileiro com a Lei da Liberdade Econômica (Lei no. 13.874 de 20 de setembro de 2019, ou LLE), que estabeleceu normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e tratou da atuação do Estado como agente normativo e regulador (conforme caput do artigo 1o da LLE), uma nos chamou atenção: a possibilidade da sociedade empresarial de responsabilidade limitada finalmente poder ser unipessoal - ou seja, a limitada hoje pode ter apenas um sócio.

Ao bem da verdade, existem inovações legislativas mais relevantes na LLE. Mas nada no sistema societário brasileiro era mais falso e desconectado da realidade empresarial que a exigência de pluralidade de sócios, pluralidade esta imposta a toda e qualquer sociedade empresarial de responsabilidade limitada.

A norma trazia consigo uma disfunção econômica, em que a subsidiária integral não poderia jamais ser estruturada como uma limitada, por mais que tais sociedades existissem de fato. Veja-se que muitas das multinacionais que atuam no Brasil possuem operações estruturadas utilizando este tipo societário. A complexidade societária criada pela pluralidade de sócios, com a distribuição de participações cruzadas e irrelevantes dentro dos grupos empresariais, em nada contribuíam para o fomento dos investimentos no país. E nada preservavam, de outro lado, já que sua única justificativa de existência era o argumento de que para existir sociedade, é preciso existir mais de um sócio.

Obviamente que as multinacionais se adaptam - como o fazem em relação a muitas outras jabuticabas brasileiras. Mas quem se via realmente diante de uma burocracia inútil era o empreendedor individual, que usualmente encontrava em um parente ou amigo o tal sócio requerido por lei para se abrir uma sociedade empresária.

É claro que a EIRELI (a empresa individual de responsabilidade limitada, introduzida pela Lei no. 12.441 de 11 de julho de 2011 no ordenamento jurídico nacional) resolveu parte destes problemas. Mas possivelmente por um apego cultural a antigas tradições comerciárias, o que se viu desde 2011 foi o mais extenso número de exigências estapafúrdias, impostas pelos órgãos registradores comerciários, inglórias discussões na doutrina sobre a possibilidade de uma EIRELI ser controlada por outra sociedade ou não. O fato é que o modelo funciona, mas não resolveu o problema, já que para sua abertura sempre se fez necessária a comprovação de capital em monta considerável para um empreendedor individual. Foi uma jabuticaba natimorta.

Hoje nada mais é preciso comprovar. Basta a um sócio de uma limitada deter a integralidade de seu capital para que esta sociedade possa ser considerada unipessoal, sem que com isso tenha qualquer outra característica especial, preservando-se ainda assim a sua personalidade jurídica, distinta da do seu sócio, e regendo-se pelas normas dos sociedades empresárias limitadas normais, a que está sujeita qualquer limitada.

As empresas podem hoje criar subsidiárias integrais utilizando o tipo societário em questão (das sociedades empresárias de responsabilidade limitada), e em uma operação societária em que sobreviver apenas um sócio no quadro societário, não se faz mais necessário prometer ao órgão registrador que a pluralidade de sócios será recuperada dentro do famoso prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias. Agora basta esclarecer que o sócio é o único detentor do capital social.

Esta liberdade que foi finalmente concedida é tão básica que destoa das demais inovações da LLE. E aí está a motivação deste texto: no Brasil, não dávamos liberdade total ao empreendedor sequer sobre a composição do quadro social de sua sociedade empresária, e comemoramos como um avanço aquilo que é óbvio!

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Estas breves linhas de desabafo foram escritas após uma operação societária envolvendo ativos em distress e o desinvestimento de uma multinacional no Brasil, que transferiu para um grupo de investidores brasileiro o controle de duas subsidiárias brasileiras.

As empresas brasileiras passaram a contar com apenas uma sócia, o que foi prontamente aceito pela Junta Comercial do Estado de São Paulo. Muito mais exigente, a Junta Comercial do Estado do Mato Grosso do Sul exigiu que o contrato social fosse integralmente alterado, para fazer constar a expressão sócio, onde anteriormente constava a expressão sócios. Exigiu ainda a retirada de todas as regras contratuais que se reportavam a quórum de aprovação, já que o único sócio sempre aprovaria tudo, independentemente de discussões de quórum.

Em que pese acertada e técnica a posição da Junta Comercial do Mato Grosso do Sul, falta uma motivação prática a justificar a exigência, já que não haveria qualquer prejuízo para o sócio unipessoal a sobrevivência de cláusulas que seriam por ele ignoradas no dia-a-dia da empresa. Mas fica aqui a anotação em razão do risco prático de se ter exigências nas Juntas Comerciais Brasil afora por falta de adequação do contrato social à realidade da unipessoalidade da sociedade.


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